UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA
INCLUSÃO E CULTURA SURDA: UM DESAFIO DA DOCÊNCIA
PORTO ALEGRE 2019
ANDRÉIA MARQUES DE ALMEIDA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
como requisito parcial para a conclusão do
Curso de Licenciatura em Pedagogia, da
Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Rio Grande do Sul.
Orientador: Paulo Peixoto Albuquerque
PORTO ALEGRE
2019.
“Nunca haverá uma borracha para apagar o passado, mas sempre haverá um lápis para escrever o futuro.”
AGRADECIMENTOS
Agradeço a Deus por me permitir entrar, participar e concluir esta etapa de minha vida. Agradeço meu marido por trocar de carro, nos dias de aula no vale.
Minha família, por, de maneira forçada aceitar minha ausência quando tinha aula ou em casa quando precisava ficar sozinha para fazer minhas atividades.
Agradecer por ter perdido o medo de dirigir para Porto Alegre e agradecer minhas colegas por irem me ouvindo de Canoas ao Vale.
Agradecer ao professor Paulo Albuquerque, que no momento que tudo parecia piorar e ficarmos à deriva, ele nos deu força e não nos rebocou, nos ensinou como chegar.
Agradeço a Ana Luiza, por dizer que minha letra é feia, sempre penso nela quando faço cartazes e procuro fazer o melhor a cada dia.
Agradeço a todos os meus alunos, colegas e professores que de maneiras individuais fizeram parte desta caminhada nem sempre fácil.
RESUMO
Este trabalho objetivou identificar aqueles elementos fundamentais na inclusão escolar e na cultura surda, porque o problema que se apresenta para o docente é o desafio de dar conta da inclusão que exige uma prática, um ambiente, um contexto escolar que seja de acolhida e, ao mesmo tempo, da cultura surda que aponta para uma outra lógica, para um outro alfabeto, para uma outra maneira de se comunicar. Então, o desafio da docência é fazer a acolhida e ao mesmo tempo transitar numa linguagem que seja diferenciada para proporcionar ao aluno um processo de aprendizagem e construção de si como pessoa. Buscamos esses dados a partir de questionários com perguntas semiabertas e constatamos que ainda existe uma grande dificuldade tanto para professores se capacitarem, quanto para as famílias encontrarem acolhimento e segurança no que concerne o presente e o futuro de seus filhos surdos.
Palavras-chave: inclusão, cultura surda, aprendizagem, docência
Apresentação
Minha proposta de TCC está diretamente relacionada a uma situação vivenciada durante o período de estágio. A opção pela inclusão como temática tem por origem as dificuldades pedagógicas, apresentadas por um aluno, mas tal dificuldade sinaliza, para mim, as dificuldades que os professores podem ter quando em sala de aula. Assim, a proposta da pesquisa é sobre a inclusão como direito à identidade do surdo e tem como objetivo principal identificar aqueles elementos que podem auxiliar o professor com relação à aprendizagem do aluno surdo em sala de aula. A proposta traz como metodologia um estudo exploratório na escola em que fiz o estágio (EMEI) para identificar quais os recursos e como os professores, na sua prática pedagógica, dariam conta das dificuldades relacionadas ao processo de ensino e aprendizagem. Para tanto, buscou-se sistematizar (mapear) o modo como cada professor dá conta das dificuldades de ensino aprendizagem para os surdos. Nossa hipótese de trabalho parte da necessidade de perceber que nas carências, lacunas da formação dos docentes com relação à área da surdez, podem estar, também, as dificuldades com relação a procedimentos pedagógicos, para trabalhar em sala de aula com o aluno surdo.
O trabalho foi feito em três momentos e está da seguinte maneira estruturado: a) Capítulo 1 : inclusão escolar b) Capítulo 2 : Cultura Surda c) Capítulo 3: o estudo de caso sobre inclusão e cultura surda .
SUMÁRIO
Capítulo 1 - Inclusão escolar? Que inclusão é esta? Ou... Na inclusão escolar um problema se insinua ...................................................................................................................................9
Capítulo 2: Da compreensão da cultura surda à inclusão escolar: o que fazer? ...................................................................................................................................12
2.1 Da cultura surda .................................................................................................12
2.2 Da inclusão como problema...............................................................................17
Capítulo 3: Estudo de caso: a estratégia para pensar a inclusão e cultura surda na escola...................................................................................................... .................18
3.1. O contexto da Análise......................................................................................18
Considerações finais ..............................................................................................24
Referências bibliográficas......................................................................................25
Capítulo 1 - Inclusão escolar? Que inclusão é esta? Ou... Na inclusão escolar um problema se insinua
As diferentes formas de nomear podem apenas representar o esconderijo
de velhas arapucas a maquiar valores sociais contraditórios e a encobrir as
tensões geradoras de novas formas veladas de exclusão (PAM, 2008, p.
28).
As crianças com deficiência sempre foram consideradas como indivíduos fora dos padrões normais pela ótica histórico-cultural. Dito de outro modo, os critérios de normalidade sempre foram dados e usados pela cultura dominante para identificar pessoas com deficiência.
Esse modo de entender o que é considerado diferente ou não, está diretamente relacionado ao que se entende por normalização e que, na maior parte das vezes, é compreendida como sendo o conjunto de ideias que traduz as necessidades sociais e aspirações de indivíduos em uma dada sociedade.
Entretanto para nós, aqui neste trabalho, a ênfase da reflexão não é discutir normalidade, mas inclusão. Por quê? Porque o problema se torna singular quando pensado no espaço da escola, na construção de uma cultura escolar onde tem que estar explícito que a inclusão não se dá de forma abstrata, mas se materializa nos princípios que balizam as práticas docentes e são sinalizadas pelo PPP, assim como pela prática e capacitação dos professores.
A prática docente deriva da sensibilidade ao perceber que seus alunos, agora, vêm de uma outra realidade, na qual cada indivíduo apresenta suas particularidades, limitações e que precisa ser atendido de forma diferenciada para construir-se como pessoa.
Em muitos casos, isso se evidencia com alunos com laudo de inclusão. Na escola é feito um Plano Individualizado de Educação (PIE), que tem o objetivo de traçar atividades ou etapas que a criança poderá alcançar em um determinado período, o que será verificado e modificado sempre que necessário.
Pensar uma escola inclusiva é pensar uma escola justa e democrática, que inclua a todos, sem discriminação, e a cada um, com suas diferenças, independentemente de sexo, idade, religião, origem étnica, raça, deficiência.
Esse tipo de escola não acontece de uma hora para a outra; tem antecedentes que vale a pena comentar, visto que não é exclusividade da escola brasileira.
Quando se tem presente a questão da deficiência auditiva, é preciso que se procure conhecer as condições reais de nossa educação escolar, principalmente a pública e obrigatória. A partir daí poderemos identificar e dimensionar os principais pontos da mudança necessária para o alcance da qualidade que se espera da educação escolar inclusiva.
A inclusão de surdos não é questão ou temática circunstancial ou da atualidade e vem de outras experiências, a saber: na França um homem chamado Lepe deu início a pesquisas com duas crianças surdas e percebeu que era possível a comunicação através da língua de sinais. A partir de então fundou-se a primeira escola de surdos onde toda a comunicação se dava em língua de sinais. Com o passar do tempo, a Alemanha e a França entraram em disputa sobre qual o melhor método: a sinalização ou o oralismo. disputa continuou e foi parar na Itália. Em 1880, pessoas do mundo inteiro se reuniram no congresso de Milão para decidir qual o melhor método.
No congresso de Milão, vários ouvintes puderam ter acesso ao local, mas os surdos foram barrados e proibidos de entrar. Infelizmente, o oralismo puro foi aprovado e a língua de sinais foi reprovada ocasionando enorme prejuízo. Tal situação estendeu-se por vários anos até 1960, quando William Stokoe deu início a pesquisas linguísticas e constatou que as línguas orais não são superiores às línguas de sinais, aliás há uma semelhança entre as mesmas. Sua pesquisa foi difundida, provando a legitimidade das línguas de sinais.
Em 2002, no Brasil, foi sancionada a Lei de LIBRAS que a reconheceu como língua oficial da comunidade surda determinando a obrigatoriedade do ensino de Libras nas escolas regulares e abertura de cursos de graduação em Letras Libras e programas de pós-graduação em todo o Brasil. A lei apresenta a necessidade de abertura de cursos para difundir a pesquisa da LIBRAS no nível superior de forma aberta para todos. Então, esse é o objetivo das passeatas dos surdos, relembrar os marcos históricos, sendo algo tradicional até hoje.
A comunidade surda é composta por pessoas ouvintes e surdas que se comunicam através de uma única língua: a língua de sinais. Realmente, é possível 11 um outro modelo de educação e de escola, onde todas as crianças possam conviver e estudar juntas, movidas pela solidariedade, cooperação e amizade. No caso específico da criança com deficiência auditiva, isso depende, também, de compreender que elementos fazem parte da cultura surda. E isto é o que veremos no próximo capítulo.
Capítulo 2: Da compreensão da cultura surda à inclusão escolar: o que fazer?
2.1 Da cultura surda
É importante definir cultura surda como sendo uma categoria analítica importante: cultura dentro da perspectiva da antropologia. Se cultura dentro da perspectiva da antropologia é o estudo da diversidade cultural humana, tanto de grupos contemporâneos, como extintos, então quando se relaciona o adjetivo surda, não é para falar do adjetivo da cultura e sim do substantivo. Essa diferenciação é importante uma vez que faz toda a diferença frente àquilo que se quer dizer por cultura surda.
A cultura surda é aquela que reflete os costumes e as características das pessoas que desenvolveram, através das habilidades visuais, manuais, gestuais e corporais, a sua maneira de estar no mundo, a sua maneira de se fazer no mundo, assim como qualquer outro tipo de cultura.
O termo cultura nos remete a costumes peculiares que caracterizam um povo, que se comunica de forma mais direta e compartilhada, pois somam forças para defenderem causas comuns. Por isso, podemos considerar a cultura surda, em seus mais diversos recursos tanto tecnológicos, quanto linguísticos. Inclusive, sua língua, a língua de sinais, é uma de suas características mais marcantes. Encontramos nela ideias das mais sutis, complexas e abstratas.
A cultura surda vem conquistando seu espaço a cada dia, uma vez que seus membros, sejam eles ouvintes ou não, têm se organizado de maneira a comunicar para a sociedade que suas necessidades devem ser atendidas e suas peculiaridades devem ser respeitadas, pois não é a quantidade, mas sim a qualidade das pessoas que estão comprometidas com a comunidade que irá fazer toda a diferença.
Fazer parte da comunidade surda significa dizer que se compromete a agir de forma ética, auxiliando no combate aos preconceitos, que partem muito mais da falta de conhecimento em relação à comunidade e à cultura surda.
A cultura surda não se caracteriza apenas pela língua, mesmo que esta seja uma das suas características mais marcantes. Dependendo da região, identidades linguísticas diferentes poderão surgir.
No Brasil, existe a LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais), mas em outros países já existem outras, inclusive ocorrendo o mesmo na língua sonora/falada, que são os empréstimos linguísticos. Vale ressaltar, também, que as expressões faciais são estruturantes para a composição da língua.
De uma forma geral, a cultura surda nos passa a impressão e compreensão de que nela não existem barreiras em compartilharem de um viver multicultural em sociedade. As maiores barreiras partem muito mais da falta de conhecimento que as pessoas ainda possuem em relação a ela própria. Diante disto, surge a necessidade de novas interpretações do cotidiano que merecem ser trazidas à tona, por constituírem a história dos surdos.
De fato, identificar a significação que deriva de uma educação inclusiva que vem de uma política pública voltada para a língua de sinais no Brasil, significará escolas para a igualdade e por direitos mais amplos para aqueles que tem deficiência auditiva.
Além dos elementos acima apontados, há muitos espaços que possibilitam novos signos e significados que nos motivam pensar uma prática docente diferenciada e voltada às “pessoas completamente diferentes”.
A importância dessa postura leva em conta que os sujeitos (quaisquer que sejam eles) são sujeitos da História e que, na recomposição de suas histórias de vida, a escola e a prática pedagógica em sala de aula podem reverter modos de ser e deixar vir à tona uma realidade: que a inclusão não é um incômodo, mas necessidade para aquele que é diferente ter sua presença social.
A partir dessa afirmativa podemos observar que as narrativas sobre a participação dos surdos em sala de aula se apresentam como um campo de saber recente, porque nela se insinua uma crise dos paradigmas explicativos da realidade que puseram em xeque os marcos conceituais dominantes de uma prática docente dirigida apenas para os ouvintes.
A educação inclusiva, se apresenta como uma nova interpretação de caminhos metodológicos dando ao surdo lugar à sua cultura, aos seus valores, hábitos, leis, língua de sinais, ou seja, uma história que dá lugar ao sujeito.
Essa proposta inclusiva implica em não interpretar o sujeito como algo fora de contexto, inventado, mas o sujeito como instrumento histórico no sentido e no significado. Entendo que a cultura surda pode ser restrita aos aportes registrados em 14 livros, teses e dissertações de forma resumida, elencada, esquematizada, repetindo-se, ao infinito, sempre as mesmas formas de classificar quem é diferente.
Essas narrativas, na maior parte das vezes, trazem o olhar classificatório ou definidor sobre o surdo esquecendo-se das subjetividades e das questões propostas pela diferença de sujeitos. São diferentes linguagens que tornam tarefa de ensinar complexa, pois as práticas partilhadas nos cursos de pedagogia são de mediação cultural através de modos de atuar hegemônicos atravessados pela polissêmica da oralidade e da cultura ouvinte.
Por isso que é preciso pontuar a necessidade da diferenciação entre a linguagem oral e a linguagem de sinais na prática de uma educação inclusiva.
Se nos ativermos, verdadeiramente, à linguagem oralizada e letrada da escola, a performance do aluno especial (neste caso o deficiente auditivo), com certeza, será ambivalente, pois ao professor só restará submeter o diferente a uma proposta uniforme. Fato que atesta que em sala de aula a presença e a passagem do sujeito surdo será sempre feita a partir de uma linguagem recheada de interlocuções que é portadora de significados para além daquilo que produz: a confirmação de que a escola é o lugar da exclusão.
Estamos dizendo que a história cultural e como isto se apresenta nas escolas a questão da inclusão oferece um tipo de representação que traduz a trajetória humana e, hoje, com a educação inclusiva coloca a sala de aula e a escola num lugar de cruzamento no qual experiências vividas pelos diferentes (os surdos) se entrelaçam com as experiências presentes (dos ouvintes). Isso equivale a dizer que a nossa sala de aula de certo modo com a crise proposta pelo diferente animam e nos predispõem a tentar resgatar e, principalmente, entender como os surdos de outros tempos e dos tempos atuais dão sentido ao mundo (PERLIN E STROBEL, 2014).
Entender como se relacionam, como se dão as relações e como acontecem as intercorrências, como dão sentido ao mundo, é uma das necessidades do professor em sala de aula.
A rigor, ele deve ter em mente que a inclusão está no seu trabalho como um horizonte a alcançar, mesmo sabendo que ele não será jamais constituído por uma verdade única ou absoluta. O mais certo seria afirmar que a proposta de inclusão 15 exige o estudo de processos, privilegia registrar a mudança e traz lições para o cotidiano.
Assim, professores precisam mudar o foco da sua proposta pedagógica. Não mais é o conjunto hegemônico e normativo que dominava no passado, mas as motivações criadoras, produtoras de novas narrativas, novos achados, novos focos que derivam de uma proposta de inclusão.
Nesse sentido, o campo das experiências históricas surdas, precisam e devem ser entendidas como dignas de serem narradas, pois tais narrativas vêm de práticas surdas que antes estavam silenciadas em sala de aula.
Hoje, novos sujeitos surdos e novos perfis a serem incluídos no discurso da sala de aula precisam ser entendidos pelos professores como fator fundamental para o processo de produção do conhecimento.
Segundo Perlin e Strobel (2014, p. 17-31): “Compreendendo a cultura surda como movimento estaremos, praticamente, saindo dos centrismos e das denominações que classificam e dão referência às diferentes culturas.”
A intenção de trazer para o espaço da sala de aula a cultura surda, uma cultura contestada e periférica, nos motiva a repensar o conceito de cultura, pois a presença de diferenças culturais evidencia que cada vez mais que não é possível pensar a cultura como algo global. O que significa a cultura no espaço presente, coloca o problema até, agora escondido, em sala de aula e na prática docente: diferenças culturais, múltiplas culturas. Em seu livro As imagens do outro sobre a cultura surda, a pesquisadora surda, Strobel (2008, p. 22), diz:
Cultura surda é o jeito de o sujeito surdo entender o mundo e de modificá-lo
a fim de torná-lo acessível e habitável, ajustando-o com as suas
percepções visuais, que contribuem para a definição das identidades
surdas e das “almas” das comunidades surdas. Isto significa que abrange a
língua, as ideias, as crenças, os costumes e os hábitos do povo surdo .
Assim como ocorre com as diferentes culturas, a surda é o padrão de
comportamento compartilhado por sujeitos surdos na experiência trocada com os
seus semelhantes, quer seja na escola, nas associações de surdos ou encontros
informais.
[…] As identidades surdas são construídas dentro das representações
possíveis da cultura surda, elas moldam-se de acordo com a maior ou
menor receptividade cultural assumida pelo sujeito. E dentro dessa
receptividade cultural, o indivíduo representa a si mesmo (AUTOR, 2004, p.
77-78)
No contexto do povo surdo, os sujeitos não distinguem um do outro de acordo
com sua surdez. O mais importante para eles é o pertencimento ao povo surdo por
meio do uso da língua de sinais e da cultura surda, que os ajudam a definir as suas
identidades.
Para o sujeito surdo ter acesso a informações e conhecimentos e para
estabelecer sua identidade é essencial criar uma ligação com o povo surdo o qual
usa a sua língua em comum: a língua de sinais. Ela é uma das principais marcas da
identidade de um povo surdo por ser uma das peculiaridades da cultura surda. É
uma forma de comunicação que capta as experiências visuais dos sujeitos surdos e
que nem sempre é a língua que se operacionaliza na prática pedagógica ouvinte nas
escolas.
Em poucas palavras, aquilo que se propõe aos surdos nas escolas está
condicionado a uma leitura com tendência à interpretação e à compreensão por
meio dos professores que nem sempre considera que os signos são possuidores de
uma história cultural evidentes.
No caso da não inclusão dos surdos em sala de aula, evidencia-se o sujeito,
não o construído, mas o sujeito em si. Essa não inclusão acontece porque não se
reflete sobre os próprios sujeitos. Trata-se de uma prática pedagógica que se situa
no passado e tem um discurso arbitrário, fundado na certeza de uma proposta de
que a aula comum é o método e o meio de propor educação em comum.
Sintetizando, as possibilidades abertas para os professores a partir da
inclusão dos surdos em sala de aula são inúmeras e profundamente instigantes:
desde a desconstrução dos temas e interpretações ouvintes às novas propostas de
se sinalizar como sujeitos das experiências do cotidiano, da história, dos detalhes,
do mundo experienciado.
A inclusão se apresenta como importante caminho, tanto assim que ela, em
seus contextos, vai captar signos e significados subjetivantes que conduzem o
sujeito ativo ao seu próprio processo. Em suma, a inclusão do surdo em nossas
escolas pode ser entendida como uma proposta através da qual podemos guardar
17
os sentimentos e os pensamentos para despertar, animar e incentivar a coragem,
constância e outros valores com os quais o povo surdo luta e sente-se como um
todo único. É ela que não apaga uma proposta de educação pública, pelo contrário,
mantém o caráter vivo, tendo em vista suas indagações, representações, empenho e
o sonho do futuro.
2.2 Da inclusão como problema
A inclusão é um grande desafio, pois envolve mudanças na concepção de
sociedade, de homem, de educação e de escola. Tais mudanças não são tão
simples e fáceis já que as pessoas beneficiadas foram historicamente injustiçadas,
marginalizadas e excluídas da sociedade, e, em consequência, da escola. Alcançar
os objetivos da prática educativa requer mudanças nas concepções, nas atitudes e
no envolvimento de todo o quadro docente e, principalmente das instituições
governamentais, em âmbito de políticas sociais e econômicas, fazendo com que a
realidade do princípio da educação seja, realmente, responsabilidade de todos.
A falta de preparo dos professores em relação à cultura surda se apresenta e
é um empecilho, mas não é fator determinante para a não-integração do aluno com
deficiência em classe regular. Sabe-se que o empenho de ambos – o que ensina e o
que aprende – resulta em reconhecer possibilidades e limitações.
É importante que os todos os alunos de uma sala de aula, com deficiência ou
não, recebam um atendimento diferenciado já que todos nós temos “nossas
limitações”.
Os profissionais da área da educação precisam estar atentos para as
particularidades da aprendizagem de cada aluno com deficiência, respeitando-os e
atendendo-os como cidadãos capazes, detentores dos mesmos direitos de todos os
demais alunos dentro de uma sociedade igualitária. É fundamental que se
compreenda que a inclusão de qualquer cidadão, com deficiência ou não, são
condicionadas pelo seu contexto de vida, ou seja, dependem das condições sociais,
econômicas e culturais da família. Depois dependem da escola, em todos os seus
segmentos: funcionários, educadores, orientação, direção e também os órgãos
governamentais.
É nesse processo que o professor pode ver e rever sua prática pedagógica,
as estratégias aplicadas na aprendizagem dos alunos, os erros e acertos desse
18
processo para melhor definir, retomar e modificar o seu fazer de acordo com as
necessidades de uma prática docente inclusiva.
O próximo capítulo traz o estudo de caso em que o leitor poderá visualizar
como se concretiza uma estratégia de inclusão.
Capítulo 3: Estudo de caso: a estratégia para pensar a inclusão e cultura surda
na escola.
O estudo de caso foi a estratégia escolhida para analisar e compreender
como poderia ser a inclusão e a cultura surda na escola, porque se caracteriza por
ser, na maior parte das vezes, descritiva. Na descrição podemos identificar como o
fenômeno (da inclusão e da cultura surda), como um todo, e a sua complexidade se
apresentam.
Nossa preocupação, neste momento, é fazer algumas sínteses relacionando-as com a vivência da prática docente, visto que a compreensão da prática docente
não se dá em um vazio social, mas na teia de relações sociais e culturais que se
estabelecem no interior das escolas. Nesse sentido, a opção pela metodologia
qualitativa se fez após a definição do problema e do estabelecimento dos objetivos
da pesquisa que se quer realizar
3.1. O contexto da Análise
O propósito de um estudo de caso é reunir informações detalhadas e
sistemáticas sobre um fenômeno. É um procedimento metodológico que enfatiza
entendimentos contextuais, sem esquecer-se da representatividade, centrando-se
na compreensão da dinâmica do contexto real.
Assim, para dar materialidade à problemática da proposta, visitei a Escola
Municipal de Ensino Fundamental Bilíngue para Surdos Vitória. Essa escola foi
inaugurada em 2003. Ela tem 46 alunos, 20 professores e 5 funcionários. O ensino é
feito com projetos, aulas visuais em salas temáticas. Até o 4º ano, 8 alunos por sala,
e até o 9º, 10 alunos por sala. Todos os estudantes tem transporte da prefeitura.
No nosso caso, participaram, como entrevistados, as seguintes pessoas:
- Coordenadora da escola (ouvinte)
- Professora (ouvinte)
- Estagiária (surda)
-Pais de uma aluna da escola (ouvinte)
Essas primeiras entrevistas serviram de referência e validaram o questionário
que posteriormente foi feito junto à Escola em que trabalho, Escola Municipal de
Educação Infantil Julieta Balestro.
A escola tem capacidade para mais de 180 alunos, Berçário para 15 alunos, 3
Maternais, 4 jardins I, 1 jardim II. Além disso, são 8 Professores de Ensino Básico
(PEB), 10 Técnicos de Ensino Básico (TEB) e 5 funcionárias. A ideia desta seção é,
ao retomar as respostas dos entrevistados, construir correlações e refletir sobre de
que maneira as respostas dadas (o real) tem o seu contraponto nos conceitos de
inclusão e cultura surda. A análise não parte de problemas abstratos, separados e
isolados da vida dos profissionais da educação, mas a partir de uma realidade
essencialmente marcada por processos de exclusão, por antagonismos e diferenças
culturais (sociais) que na Escola se apresentam regidas por regras aparentemente
aceitas e quase sempre utilizadas em função da manutenção daquele que é
diferente longe das dinâmicas da sala de aula.
É importante destacar que a análise das respostas ao questionário (entrada
analítica) coloca em evidência que inclusão (categoria analítica importante na
sociologia, na psicologia e em outras áreas do conhecimento) deriva da concepção
que se tem de educação1 que faz parte da concretude da vida e, no caso dos
deficientes auditivos, nem sempre acontece na escola.
É nesse contexto que as sínteses que seguem devem ser entendidas. A repetição
tem uma intencionalidade: reforçar a construção de um modo de perceber a
educação, o lugar do professor e as possibilidades de construção de uma nova
sociabilidade, de transformação das condições de trabalho.
1 Aqui entendida como um processo plural e incompleto que se dá na interpelação do sujeito e da
vida.
QUADRO I – Inclusão escolar na percepção dos entrevistados
Entrevistados Respostas Significado
Pais Seria onde ou local que pessoas com
alguma “condição” receberia
atendimento ou amparo.
Ser ambiente
adaptado,
em que tenha
profissional
capacitado para
atender cada indivíduo
com suas limitações.
Professores Adaptar , aceitar entender o diferente
aluno É toda escola que atenda as
necessidades especiais de todos os
alunos. Os professores devem estar
preparados para receber este
Aluno.
Fonte: entrevistas realizadas no período de 13/06/2018.
QUADRO II – Percepção da inclusão do deficiente auditivo na Escola
Entrevistados Respostas Significado
Pais Inclusão no vitória sim, escolas
normais são raros casos. A maioria
dos docentes não tem preparo nem
interesse.
No caso a EMEF
Vitória, foi pensada
para atender aos
deficientes auditivos.
A família já havia
frequentado outras
escolas e não sentiu-se seguro quanto ao
futuro do aluno.
Professores Sim a escola foi construída para
atender o surdo .
aluno Minha escola é bilíngue e promove o
desenvolvimento de cada aluno.
Fonte: entrevistas realizadas no período de 13/06/2018.
QUADRO III – Percepção da Inclusão como resultado de boa vontade
Entrevistados Respostas Significado
Pais Inclusão é ser aceito, é ter facilidade
de acesso é ter material específico
para cada tipo de ensino. Já
sofremos com creche que no papel
dizia que trabalhava com inclusão,
mas no fim não fazia questão de
receber crianças fora do “NORMAL”
Precisa-se de boa
vontade e interesse
para buscar maneira
correta de trabalhar
com cada inclusão,
pois ela precisa ter
avanços e uma
perspectiva para o
futuro.
Professores Sim. A boa vontade é o principal
incentivo para entender a inclusão e
buscar formas para a adaptação e
entendimento a pessoa com
deficiência.
aluno Não depende somente de boa
vontade, há muito mais do que
apenas isso. O professor e a escola,
devem estar preparados
pedagogicamente e recursos
Fonte: entrevistas realizadas no período de 13/06/2018.
QUADRO IV – Percepção da capacitação de professores como condição para a
inclusão
Entrevistados Respostas Significado
Pais Tanto exige, como exige
constantemente.
Cada inclusão deve
ser tratada com
carinho e seriedade
para ser atendida as
dificuldades de cada
um com adaptações e
no casa de Libras
entender a cultura
surda e saber
LIBRAS.
Professores Exige, principalmente quando se trata
de surdos porque além de saber
Libras, o profissional precisa ter
conhecimento da cultura surda.
aluno O professor deve estar qualificado a
atender as necessidades desse
aluno, senão como seria a
comunicação.
Fonte: entrevistas realizadas no período de 13/06/2018.
QUADRO V – Percepção da importância da linguagem para a construção do sujeito
Entrevistados Respostas Significado
Pais Quem não se comunica se trumbica Linguagem é uma
forma de expressão
diferenciada para
ouvintes e surdos.
Professores Sim porque é através dela que ocorre
a comunicação. Entende-se
linguagem corporal, fala, LIBRAS,
expressão
aluno No casa de alunos surdos a primeira
linguagem é a LIBRAS. Então família
primeiramente e depois escola
Fonte: entrevistas realizadas no período de 13/06/2018
23
QUADRO VI – Percepção da importância da LIBRAS
Entrevistados Respostas Significado
Pais Os sinais são usados para diversas
situações, não só para deficiente
auditivo
LIBRAS é uma língua
importante como
português ou outras.
Deve ser ensinada na
escola como uma
disciplina, para facilitar
o convívio das
pessoas. Além de ser
uma língua linda.
Professores Sem LIBRAS o sujeito surdo não tem
como aprender a ler e escrever.
LIBRAS é a sua língua materna, sua
língua principal
aluno A primeira língua do surdo é a
LIBRAS e o português é a segunda.
LIBRAS é a língua materna da
pessoa surda
Fonte: entrevistas realizadas no período de 13/06/2018.
Considerações finais
Pensar em inclusão escolar de alunos em situação singular e especial, mais
ainda, destacando a questão da deficiência auditiva se apresenta como um desafio
para a docência. Isso se materializou como, num primeiro momento no meu estágio,
na percepção que eu tive; o segundo momento é possível ver nos questionários.
E para finalizar, o curso de pedagogia, feito a distância (EAD) na UFRGS,
mesmo com esta característica diferenciada, permitiu compreender que na dinâmica
e na prática da docência é fundamental a percepção e a sensibilidade do profissional
porque, sem essa sensibilidade, sem a atenção, sem a capacitação para fazer a
inclusão, ela não será possível, pois as escolas não estão preparadas.
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